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Era Uma Vez... Um Conto Econômico da Carochinha
Sebastião Buck Tocalino, 7 de dezembro de 2013

Lembro-me de quando era criança. Sem saber ler ainda, folhava os livros atento às figuras e tentava descobrir nelas a narrativa das estórias...

Guardo na memória um livro em especial. Dos contos de Grimm, traduzidos e adaptados por Monteiro Lobato. Suas ilustrações não eram coloridas, nem muito decoradas, ao contrário de outros livros na estante do meu quarto. Minha mãe, uma leitora compulsiva desde sua infância (e filha de pais que se conheceram numa biblioteca), arranjara ali os volumes verdes em capa dura da obra infantil de Monteiro Lobato (o escritor, advogado, diplomata, empresário e visionário do petróleo brasileiro).


De fato, aquelas ilustrações eram simples, mas focavam o tema e me ajudavam a assimilar melhor as estórias.

Na economia, muitas vezes o foco se perde na complicação do tema e das palavras. Felizmente algumas imagens simples podem ilustrar o desenrolar dos fatos nos últimos anos. Os gráficos oferecem uma visão dinâmica mais explícita do que números listados em uma tabela ou citados em um texto.

A crise econômica de 2007/2008, desencadeada pelas hipotecas subprime nos EUA, foi séria e se refletiu mundo afora. De uns tempos para cá, muitos acreditam que, aos poucos, as coisas já estejam se ajeitando - a caminho de uma retomada da prosperidade econômica. A impressão de dinheiro e os juros baixos nos países mais avançados têm como objetivo fomentar o crédito, o empreendedorismo, a criação de empregos, o comércio e o consumo. Os EUA merecem especial atenção, pois é deles a maior fatia da economia mundial e, além disso, são os mais empenhados na adoção de políticas anticíclicas.

A figura abaixo evidencia os estímulos do Banco Central dos EUA (FED), representados pela carteira de ativos do FED, que desde o fim de 2008 passou a imprimir dinheiro para comprar dos bancos vários ativos (como títulos da dívidas pública e de hipotecas), passando esse dinheiro novo para as mãos daqueles que potencialmente poderiam gerar maior dinamismo na indústria, nos negócios e no crescimento econômico como um todo:


Com isso, em 2008, o trajeto da carteira de títulos do FED rompeu de forma extravagante com seu padrão anterior! Se nos 6 anos anteriores a setembro de 2008 o aumento da carteira de ativos em poder do Banco Central norte-americano beirou os 27%, nos 5 anos seguintes o inchaço passou de 327%.

Todo essa impressão de dinheiro (Quantitative Easing) associada a tamanha redução de juros (FED Funds entre 0,22% e 0,07% ao ano) vêm realmente aumentando a base monetária e a disponibilidade de capital desde 2008. Mas é essencial olharmos para os resultados alcançados até agora. Para onde está indo a maior parte desse dinheiro?

O Banco Central, ao imprimir ou emitir dinheiro, aumenta a base monetária. Base monetária é o dinheiro fora do Banco Central e do Tesouro Nacional mais reservas voluntárias e os depósitos compulsórios (reservas bancárias). Depois de emitido, o dinheiro pode ficar em poder do público ou em poder dos bancos. O dinheiro que fica com o público, prontamente acessível para gastos (investimento ou consumo) é designado como M1, sendo a soma do dinheiro vivo em circulação (cédulas, moedas e cheques de viagem) mais os depósitos à vista no sistema bancário. Se dividirmos esse dinheiro disponível para gastos pela base monetária (M1/Base) obtemos como resultado o indicador conhecido como multiplicador monetário.

Os estímulos do Banco Central têm um efeito inverso no multiplicador monetário. Até 2008, o capital acessível para gastos era maior (1,62 vezes) que a Base Monetária. No entanto, hoje é apenas uma fração (0,72) dela. A virtual multiplicação da base monetária normalmente acontece graças a empréstimos concedidos pelos bancos. Não é o caso nos últimos anos. Só parte do dinheiro criado fica acessível ao público e, sem empréstimos suficientes, as próprias instituições financeiras aplicam o restante!


Além de boa parte dessa expandida base monetária estar inacessível para a população, o estoque de dinheiro prontamente acessível para o consumo (M1) troca de mãos cada vez menos.

Apesar de generosa para os bancos, a oferta de dólares criados pelo FED só diminuiu a rotatividade relativa de cada dólar gasto. Para a economia ganhar embalo, esse dinheiro acessível precisaria trocar de mãos mais rapidamente. Mas a velocidade com que o dinheiro prontamente acessível para gastos (M1) troca de mãos nos EUA vem caindo insistentemente desde 2007:


Segundo os dados disponíveis das exportações mundiais (até o primeiro trimestre de 2013), apesar do estímulo do FED, os estoques das empresas norte-americanas estão se acumulando mais rapidamente do que a velocidade das exportações mundiais. Há já três anos, desde 2010, as exportações mundiais divididas pelo total de estoques das empresas nos EUA vem mostrando esse descompasso:


De fato, os números oficiais do desemprego nos EUA vêm baixando. Isso poderia ser razão para otimismo, mas o que não é muito comentado é que, nos últimos anos, foi adotada uma nova metodologia (conveniente) para o cálculo oficial do desemprego. Essa alteração passou a excluir parte dos desempregados da estatística do governo, produzindo números menos alarmantes e reduzindo o pessimismo que certamente iria piorar e prolongar a crise.

Por conta dessa nova política nos cálculos, optamos por dar mais atenção ao nível de atividade das pessoas maiores de 15 anos e abaixo dos 74.

Fica claro que os esforços do FED desde 2008 não tem sido capazes de frear o declínio na atividade econômica da população entre 15 e 74 anos de idade:


Mas se a fração do dinheiro acessível para gastos minguou diante da base monetária e sua velocidade de circulação diminuiu em vez de aumentar, se as exportações mundiais não dão mais vazão suficiente aos estoques que se acumulam nas empresas e a população em idade economicamente ativa se mostra de fato cada vez menos ativa, então onde estão visíveis os resultados dessa política de afrouxamento monetário?

Tradicionalmente, o mercado de ações costuma mostrar com antecedência a primeira rajada dos bons ventos que soprarão a economia mais adiante. Poderia ser esse o caso... Afinal, os índices Dow Jones e S&P500 vêm batendo recordes de pontuação. Mas a recuperação e a alta no preço das ações também não são difíceis de entender. Enxugando suas operações e seus quadros de empregados, aquilo e aqueles que se mostravam mais onerosos para as empresas foram logo descartados e demitidos no calor da crise. Com os juros baixíssimos do pós-crise, as empresas já mais enxutas tomaram emprestado dinheiro barato e recompraram uma boa quantidade de suas próprias ações - até então também baratas no mercado. Muitas ações recompradas foram extintas pelas próprias empresas, permitindo que os lucros fossem divididos por um menor número de ações (e acionistas). As ações remanescentes se tornavam mais lucrativas e, portanto, mais apreciadas. Além disso, a renda fixa passou a oferecer uma rentabilidade muito pequena, ou mesmo negativa. Com juros próximos à inflação, há um incentivo maior para o risco na procura por lucratividade. E com a quantidade de ações por empresas diminuindo e o lucro por ação aumentando, valia muito mais a pena investir em ações do que na expansão ou na criação de novos negócios. Abrir ou expandir, para depois fechar ou enxugar um negócio que "micou" é mais caro, complicado e demorado do que comprar e posteriormente vender ações que não se mostraram lucrativas. Especialmente em tempos de crise, a especulação na bolsa pode ser mais simples, fácil e ágil do que o empreendedorismo de fato - que implicaria na imobilização do capital fixo investido e um compromisso de longo prazo.

E, se houver um beneficiário ou destino mais provável para o dinheiro criado pelas políticas anticíclicas do FED, o gráfico abaixo sugere quase inequivocamente o mercado de ações (representado pelo S&P500) como principal candidato.


Ao que tudo indica, a bolsa nos Estados Unidos vem se sustentando no mesmo ritmo que o FED imprimi novos dólares - na expectativa de fazer a prosperidade econômica pegar no tranco. Entretanto, (1) não havendo um aumento na troca de mãos e rotatividade dos dólares acessíveis para gastos, (2) sem uma maior agilidade no escoamento dos estoques das empresas e (3) incapaz de inverter a queda na atividade econômica da população, não sobra muita justificativa para tamanha impressão de dinheiro. Ao menos não nesse ritmo acelerado dos últimos 13 meses! É provável que algum tapering (diminuição gradual dos estímulos) seja anunciado já em 2014 pelo FED. Possivelmente, o índice S&P500 se antecipará a tal anúncio. Assim, também não nos resta muito otimismo para o futuro desempenho das ações.

Quem leu nossos textos anteriores sabe que acreditamos na natureza cíclica da economia. Não existem políticas anticíclicas capazes de curas milagrosas. O remédio para a doença atual será realmente amargo, demorado e com sérios efeitos colaterais. Mas só depois de tomado na dose e no tempo que se fizerem necessários, poderá reestabelecer a saúde econômica. O alto nível de endividamento privado nos EUA, embora tenha recuado, ainda é alarmante: 2,5 vezes maior que a tão comentada dívida pública, ou cerca de 245% do PIB do país. Essa dívida privada (das pessoas e das empresas), se rateada uniformemente por toda a população do país -independente de idade, gênero, raça ou poder aquisitivo- ficaria em torno de U$ 132.000,00 por cabeça! Ao somarmos aí a dívida do governo (que está em 100% do PIB), o passivo por habitante chega aos US$ 185.000,00! E se contarmos apenas a população que paga impostos nos EUA a desalavancagem custaria US$ 464.000,00 por contribuinte! Os números são impressionantes. E nem sequer terminam aí! Para piorar, existem as obrigações futuras com aposentadorias e assistência saúde - já assumidas pelo estado, mas não provisionadas em fundos... E justo quando, historicamente, a terceira idade crescerá mais no percentual da população!

A virulência das crises é diretamente proporcional ao nível de endividamento na economia. Quanto maior a alavancagem no sistema, maior o contágio: seus efeitos serão sentidos mais rapidamente e de modo mais perverso, espalhado e prolongado. Será obrigatória uma desalavancagem bem maior do setor privado antes que a prosperidade econômica se faça novamente sustentável! Qualquer estímulo ao crédito que implique em maior alavancagem no consumo, e não em investimento para melhorar a produtividade per capita, será um tiro no pé.

O envelhecimento das populações nos países mais avançados implicará em uma natural desaceleração do consumo mundial. A mudança de perfil demográfico é particularmente impressionante na Europa. Seus efeitos na economia serão mais evidentes e abrangentes dentro de pouco tempo. Essa multidão que caminha para a aposentadoria se tornará progressivamente mais conservadora e prudente no dia a dia e nos investimentos. Há uma tendência para o crescimento dos gastos com saúde, previdência e assistência social. Alcançando uma vida mais longa, também será preciso que esses indivíduos se aposentem mais tarde, mesmo se com uma carga de horas semanais mais reduzida e flexível, adequando-se à idade. São necessárias mudanças nas leis trabalhistas, oferecendo mais incentivo para que os empregadores criem postos para esses trabalhadores maduros. Os sistemas previdenciários terão que ser modificados.

Como o Japão das últimas duas décadas, a Europa e os EUA deverão também enfrentar uma clara tendência deflacionária, que só não se fez mais evidente ainda por conta de manobras político-econômicas que tentam adiar o inevitável. As políticas corretas deveriam ser menos imediatistas e mais preventivas diante dessa mudança de cenário. Teorias econômicas e políticas anticíclicas podem fazer grandes estragos ao tentar reestimular da forma errada uma economia em transformação. Não raramente provocam uma especulação exagerada e a formação de bolhas.

A atual política do FED também lembra o conto do moleiro que, para mostrar importância, gabou-se ao rei de que sua filha sabia transformar palha em ouro. A filha se viu enrascada com o rei, que passou a insistir que ela transformasse cada vez mais palha em ouro ou teria sua cabeça cortada.

E é bom lembrar que, dentre as emoções humanas que mais se refletem nos mercados e na economia, nenhuma supera a rapidez e a força com que o temor subitamente se manifesta e se alastra.


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