Taxa de Juros
Sebastião Buck Tocalino, 10 de junho de 2013
com gráficos atualizados em 19-maio-2014
Se a eficiência do capitalismo se deve à livre flutuação dos preços, determinados pelas forças do
próprio mercado, qual será o efeito de se engessar o preço mais emblemático de todos: o preço do
dinheiro?
A economia não pode ser estabilizada por decreto. Ela deve permanecer sensível a toda sorte de fatores e ter
o dinamismo e a flexibilidade necessários para procurar um ponto de equilíbrio diante das múltiplas
variáveis e pressões que surgem no decorrer do tempo e dos eventos.
No capitalismo, o livre mercado permite que os preços variem e funcionem como uma mão invisível que orienta
e direciona investimentos, insumos, produção e consumo de modo mais eficiente. Preços são constantemente
ajustados e reajustados pelo equilíbrio dinâmico entre oferta e procura de bens e serviços. Onde há
liberdade de concorrência, os produtores, o comércio e os consumidores estão permanentemente interagindo e
trocando informações, as quais se propagam embutidas nos preços. A livre flutuação destes permite o fluxo
das informações que orientam e estabilizam o sistema, viabilizando um "consciente coletivo" que guia a
economia.
Claro que o livre mercado não é a solução para tudo, nem é infalível ou possibilita recuperações imediatas.
Mas as crises do capitalismo -pela sua própria natureza cíclica- não são aberrações, apenas parte inerente
do processo econômico. As contrações permitem uma espécie de destruição criativa, que possibilita novos
contornos para o mundo, reformulando a perspectiva e as expectativas das pessoas, reorientando a indústria,
a atividade agropecuária e o surgimento de novas tecnologias, ideias e inovações - à custa da eliminação de
tudo aquilo que começava a se mostrar obsoleto ou improdutivo.
No comunismo, o planejamento central usa sua autoridade para determinar preços, direcionar recursos, mão de
obra e insumos, além de estipular cotas de produção. O planejamento central descarta a importância dos
preços flutuantes e todo tipo de informações que estes proporcionariam eficientemente. O politiburo decide,
presumindo-se sábio o bastante para definir o tamanho da produção e o consumo ideal conforme suas próprias
metas e ideologias. Essa é uma terrível falácia do comunismo e do gigantismo governamental que, por todos os
países onde se fez presente, resultou na falência econômica e na insatisfação popular. O planejamento
central também abre brechas ainda maiores para favorecimentos ilícitos e corrupção - pior do que numa
democracia capitalista.
Para quem traz a China na ponta da língua como argumento contrário, é bom esclarecer que a reviravolta
econômica ocorreu graças ao pragmatismo de Deng Xiaoping, que no final dos anos 1970 começou a adotar
práticas de livre mercado. O sucessor de Mao Tsé-Tung já criticava a agonizante produção de alimentos no
sistema comunista. Empossado, rompeu com o sistema de comunas e criou incentivos através do arrendamento de
terras. Também permitiu a mobilidade dos agricultores para que comercializassem sua própria produção. Sua
reforma gerou uma verdadeira explosão na produção de alimentos.
Tendo estudado e trabalhado na França enquanto jovem, sua visão política e econômica já se distanciava do
comunismo tradicional. Seus críticos alertavam que sua estratégia seguia em direção ao livre mercado. Muitos
anos antes, na conferência de Guangzhou de 1961, Deng Xiaoping já havia se justificado:
"Não importa se
o gato é branco ou preto, o gato que agarra o rato é um bom gato!" E, a partir da agricultura, esse
esperto líder chinês expandiu a abertura para a diplomacia e o mercado, atraindo investimentos e empresas
estrangeiras para a China. Foi essa orientação que permitiu o descolamento da China em relação ao restante
dos países comunistas - que atualmente já estão praticamente extintos ou falidos pelo rígido e inapto
planejamento central.
O planejamento central inviabiliza a consciência coletiva do livre mercado, ou a
mão invisível
descrita por Adam Smith, ou mesmo o
espírito animal citado por John Maynard Keynes. Só a livre
precificação possibilita alocações mais eficientes de mão de obra, investimentos, recursos e produção.
O estado tem obviamente papéis importantíssimos! Entre eles, legislar, regular, fiscalizar, julgar, punir e
fazer com que os incentivos para um setor privado mais dinâmico estejam presentes e sejam respeitados,
garantindo a propriedade privada, os direitos autorais e evitando poderosos oligopólios ou monopólios. A
proteção do meio ambiente, a fiscalização e o controle de poluentes são apenas mais alguns exemplos de
papéis que devem ser desempenhados por agências governamentais.
Mas se a eficiência do capitalismo se deve à livre flutuação dos preços, determinados pelas forças do
próprio mercado, qual será o efeito de se engessar o preço mais emblemático de todos: o preço do dinheiro?
Afinal, fora o escambo, o dinheiro deve estar presente em pelo menos um dos lados de TODAS as transações
bilaterais (ou mesmo em ambos os lados da transação, no caso de operações de câmbio). Se os Bancos Centrais
impõem taxas de juros a níveis absurdamente baixos, o sistema fundamental para a mais eficiente orientação
de toda a economia fica comprometido. Um flagrante exemplo de planejamento central.
Basta vislumbrar as taxas de juros internacionais para ver que as informações relativas ao risco estão
deliberadamente omitidas. E isso diante de enormes e -
historicamente inéditas- incertezas econômicas,
como altos níveis de endividamento público e privado, e megamudanças no perfil demográfico mundial - que
trará sérias consequências para a seguridade social.
Se as taxas de juros atuais não transmitem -e mesmo ofuscam- essas importantes informações sobre o
risco, quais serão as implicações futuras para a economia e a população mundial?
Os juros reais chegam a ser negativos: menores que a inflação! Ou seja, punem o poupador que investe na
renda fixa. Juros baixos assim estimulam maior ousadia e abusos em ativos de risco, financiando bolhas
especulativas em commodities, ações e títulos de dívidas estrangeiras - públicas e corporativas.
Observem no gráfico abaixo os
juros reais nos EUA (de jan/1960 a abr/2014):
É possível observarmos juros abaixo da inflação nos EUA na maior parte da década de 1970. Essa remuneração
negativa provocou uma fuga dos investimentos em renda fixa de lá. Vieram parar na América Latina, a procura
de investimentos mais arriscados. O dinheiro farto de estrangeiros e petrodólares (em alta) chegou,
financiou, beneficiou e possibilitou o milagre econômico brasileiro. Marcou a época do governo militar e de
nossas bazófias nacionalistas: "
pra frente Brasil", "
ninguém segura este país", "
o
país do futuro", "
Brasil, ame-o ou deixe-o!"...
Acontece que, como o capital estrangeiro naturalmente não financiava o Brasil por
amor, de fato
viria a
deixá-lo anos depois, quando as taxas de juros norte-americanas voltavam a subir!
Rapidamente a dinheirama que ajudara o Brasil e a América Latina começou a voltar para casa e para a
segurança dos títulos norte-americanos. Nosso país e nossos vizinhos, de ego inchado, preferiram a miopia
bairrista a enxergar que de fato não estávamos assim com essa bola toda. Era evidente que aquele abundante
financiamento estrangeiro não poderia durar para sempre. E a ficha caiu tarde demais. Deflagrou-se então a
crise de refinanciamento da dívida latino-americana.
As consequências foram desesperadas altas dos juros para atrair de volta os investidores, bem como uma
progressiva impressão de dinheiro no Brasil e noutros países, a fim de se financiarem e quitarem seus
compromissos. E, com essa monetização das dívidas, a desvalorização do dinheiro criou uma espiral viciosa
que culminou na terrível hiperinflação brasileira a partir da década de 1980. Obviamente, tanto os governos
de direita como os de esquerda tomam como seus os méritos de quaisquer avanços, mas quando o descalabro
acontece, consideram-se apenas vítimas - apontando o dedo para alguma
maligna causa externa que
lhes foge ao controle.
Uma análise mais responsável deveria mostrar que as políticas foram relaxadas durante os tempos de vacas
gordas, evitando precauções contra os inevitáveis tempos de vacas magras em capital externo, que fatalmente
surgiriam. O "
milagre econômico" dos anos 1970 e a "
inclusão social" a partir de 2003,
termos respectivamente e orgulhosamente alardeados pelos governos militares latino-americanos e pelos
governos de esquerda -de Lula, Hugo Chavez, Evo Morales e outros- ocorreram sim em grande parte devido a
fatores externos, nomeadamente a liquidez internacional que aqui aportava temporariamente.
Os problemas de nossos países menos avançados só aparecem nus e vexados quando nossos primos ricos voltam a
remunerar melhor seus próprios poupadores. Nossa hipocrisia política não vê, ou prefere não reconhecer as
próprias e verdadeiras razões para a falta de sustentabilidade de nossos esporádicos avanços.
Juros reais negativos = imposto sobre poupança + subsídio à alavancagem especulativa
Juros reais negativos são repetidamente aplicados pelos dirigentes da política econômica norte-americana sob
o argumento de serem supostamente benignos para a nação em crise. Na prática, acabam é por confiscar parte
da poupança das pessoas mais simples e conservadoras. Não só configuram uma espécie de imposto, incidindo
sobre a prudência da população, mas também se caracterizam como subsídios à alavancagem e às apostas
especulativas dos investidores mais arrojados. O resultado é um aumento na lucratividade daqueles que
assumem grandes riscos, ou seja, favorecem justamente aquele seleto círculo dos muito ricos!
Os juros reais negativos nos EUA contribuíram para o aumento nos preços do petróleo, culminando na crise do
petróleo na década de 1970.
A partir de 2002, novamente vemos a relação entre os juros negativos nos EUA e o acelerado aumento dos
preços do petróleo.
Aconteceu que, depois do estouro da bolha "ponto.com" no ano 2000 (envolvendo empresas de tecnologia e
internet), houve o ataque terrorista às torres gêmeas do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001.
Citando essas duas crises tão próximas, e empenhado em medidas anticíclicas, o banco central norte-americano
voltou a baixar exageradamente as taxas de juros nacionais. Como seria de esperar, os juros negativos
iniciados em 2002 (indo até o final de 2005) voltaram a punir os poupadores conservadores da renda fixa e
premiaram os investimentos especulativos e arriscados. Propiciaram uma tremenda alta do petróleo, uma
ascensão generalizada dos países exportadores de matérias primas e também incentivaram a mania especulativa
no mercado imobiliário norte-americano. O resultado -por enquanto- foi o estouro de uma bolha imobiliária,
de cujas enormes sequelas ainda não nos recuperamos.
Infelizmente, essa última crise imobiliária do
subprime, em 2008, teve como resposta do FED, o
mesmo manjado clichê. E já lá se vão seis anos de juros reais negativos nos EUA!
Parece-me bastante provável que essas taxas de juros atuais,
persistentemente reduzidas em tantos
países importantes, acabem por inflar outras temíveis bolhas financeiras... Bolhas que tendem a crescer
quando há grandes quantidades de dinheiro barato e acessível para a especulação alavancada. Resta imaginar
quando vão estourar, onde vão estourar primeiro e com que violência isso acontecerá...
A história se repetirá.
Até quando faremos vista grossa para as consequências globais dessa polêmica forma de planejamento central
que suprime a justa precificação do dinheiro e do risco? A história mostra a potencial virulência dessas
manipulações com juros. E sua natureza é, no mínimo, estranha ao mais puro conceito de livre mercado.