O Índice Tocalino
Aplicando a demografia a uma variação do Índice da Miséria de Arthur Melvin Okun a fim de avaliar o
comportamento do índice Dow Jones Industrial Average nos EUA.
Sebastião Buck Tocalino, 1 de agosto de 2014
Entre os vários indicadores que monitoram a saúde econômica de um país, dois deles são bastante populares
justamente por afligirem mais o cidadão comum. São eles a
taxa de inflação e a
taxa de
desemprego. Dos dois, a inflação ainda é obviamente mais percebida. Afinal, todos nós temos que
colocar a mão no bolso para fazermos compras, pagarmos a escola dos filhos e consumirmos uma variedade de
produtos e serviços em nosso dia a dia. A taxa de desemprego pode ser bem menos observada pelos que estão
trabalhando, mas é absolutamente importante para qualquer um que se encontre desempregado.
O economista Arthur Melvin Okun foi professor na famosa Universidade de Yale, além de ter sido assessor dos
presidentes John F. Kennedy e Lyndon B. Johnson. Foi ele o criador da "Lei de Okun", uma teoria de 1962 que
propõe uma relação inversa entre desemprego e produto interno bruto (limitada a uma taxa de desemprego entre
3% e 7,5%, a "regra" sugere que cada 1% de alta na taxa de desemprego gera cerca de 2% de queda no PIB
Potencial do país, e vice-versa). Outra contribuição sua para o estudo da economia foi a concepção do
Misery Index (índice da miséria). Sua formulação não poderia ter sido mais simples ou
intuitiva: trata-se apenas da taxa de desemprego somada à taxa de inflação. Naturalmente, ficar desempregado
e ainda sujeito a um custo de vida crescente é uma infelicidade, daí o nome de
Índice da
Miséria!
(Dizem alguns economistas que, com um atraso de cerca de um ano, esse
Misery Index seria o fator
precursor da taxa de criminalidade. No Brasil, esse não parece ser o caso. Com o desemprego a níveis
historicamente baixos e hiperinflação vencida há anos, a violência gratuita e mesmo os crimes de colarinho
branco continuam crescendo sem limites aparentes! A criminalidade me sugere muito mais ser um problema
cultural. Ou
falta de cultura mesmo!)
Eu não tenho o hábito de acompanhar este indicador e, sinceramente, duvido que haja muita gente prestando
atenção a ele. Em geral, simplesmente concentramos nossa atenção nos seus dois constituintes de forma
isolada. Porém, há algum tempo já, eu observava que o
Misery Index vinha caindo continuamente nos
EUA. É evidente que, mesmo com a abusiva e insana impressão de dólares, além dos punitivos juros reais
negativos da renda fixa desencorajando a poupança por lá, a inflação norte-americana continua muito modesta
e aquém da almejada pelo comitê de política monetária e o
Federal Reserve. Em maio e junho, a taxa
de inflação acumulada em 12 meses esteve um pouco mais alta, fechando junho aos 2,07%. E os dados relativos
a julho só devem ser divulgados no próximo dia 19 de agosto.
A taxa de desemprego nos Estados Unidos também vem caindo desde 2009. Chegou aos 6,1% em junho, mas o
resultado de julho, divulgado agora em agosto, já ficou um pouco acima, aos 6,2%.
A fim de suavizar as oscilações da inflação, usarei aqui apenas o núcleo da inflação, que exclui aqueles
itens que apresentam maiores oscilações: alimentos e energia (ou, mais precisamente, o petróleo). O núcleo
da inflação (CPILFESL) de 12 meses foi de 1,93% em junho passado. Tomando-se a taxa de desemprego do mesmo
mês (UNRATE de 6,1%), a soma de ambos nos dá um índice da miséria aos 8,03%.
A esse nível, o índice de miséria está abaixo de todos os valores verificados entre 1982 e julho de 1996.
Naqueles 14 anos, as ações nos EUA tiveram um bom desempenho. Da mesma forma, o índice
Dow Jones
Industrial Average vem tendo um ótimo desempenho nos últimos anos.
Em minha opinião, já
descolado de qualquer fundamento que o pudesse justificar.
Como o desemprego e a inflação são fatores contrários ao bom desempenho econômico, no gráfico a seguir eu
inverti o
Misery Index, colocando-o de cabeça para baixo, a fim de comparar melhor sua evolução com
o desempenho das ações. O Dow Jones está ajustado pela inflação, para refletir seu poder aquisitivo real
através dos anos. Embora apresentem uma boa coincidência entre vários picos e fundos, ainda assim o
Misery Index não oferece muita ajuda ou utilidade a qualquer investidor que esteja tentando aferir
melhor a precificação do índice de ações.
Como já escrevi e expliquei em outras oportunidades, eu dou muita atenção à relação entre demografia e
economia. Em outra publicação recente (
leia
aqui) eu mostrava justamente a curva de participação no consumo agregado anual conforme a faixa
etária do ou da responsável pela casa/família.
Podemos observar que, nesses dez anos representados aqui, a participação no consumo agregado anual é
crescente desde o começo da vida adulta até a faixa dos 45-54 anos. Sugere-se então que o avanço econômico
deva ser diretamente proporcional à quantidade de consumidores e trabalhadores nessas faixas de idade. Por
outro lado, deve ser inversamente proporcional aos níveis de desemprego e inflação. Com isso em mente,
dividi a quantidade de adultos nos EUA, entre 25 e 54 anos, pelo desemprego somado ao núcleo da inflação
(uma variação do Misery Index) para ver no que dava.
Em teoria, essa formulação incorpora muito mais informação e contexto do que o Misery Index proposto por Art
Okun há algumas décadas.
A inflação é mais natural, e portanto menos maligna, se induzida por um crescimento mais acelerado da
população. Tratar-se-ia assim de um aumento fisiológico na demanda de consumo, ainda não acompanhado por um
aumento na produtividade. E também o desemprego, que de certa forma, poderia indicar uma defasagem na
absorção da maior disponibilidade de mão de obra para aumentar a produção. Ao calcularmos a razão entre
essas três variáveis, com a população no numerador e a soma de inflação mais desemprego no denominador, fica
mais fácil descartarmos quaisquer irrelevâncias e enxergarmos melhor as alterações reveladoras nessas
variáveis.
O resultado, de fato, mostrou-se bastante interessante:
A relação desse indicador (
Índice Tocalino©, ou
Tocalino Index©) com o desempenho do Dow Jones
parece clara e relevante.
O mais importante é que evidencia, sem dúvida, a necessidade de levarmos em conta o perfil demográfico
dos EUA ao fazermos uma análise da economia e seus reflexos na precificação do mercado acionário por
lá.
Se a relação entre os dois índices acima não pode ser ignorada ou negada, ainda assim ela não se mostra
perfeita ou infalível. A cautela é sempre uma regra importante ao observarmos qualquer indicador econômico.
Quanto mais longa se mostrar a relação entre os desempenhos dos dois índices, maior o nosso conforto e
confiança para aceitá-la. O fator que me impossibilitou o cálculo de um histórico mais longo foi o núcleo da
inflação. Eu só consegui dados sobre esses preços de 1957 em diante.
O ponto que me chama a atenção nos últimos anos é a perceptível decolagem do Dow Jones em relação ao meu
próprio indicador a partir de 2009. Levando em conta os enormes estímulos do fecundo Banco Central dos EUA,
na minha opinião, o mercado de ações norte-americano parece estar sendo impulsionado mais por todo
o dinheiro criado em
quantitative easings e pela falta de alternativas de investimento, do que com
base em quaisquer fundamentos econômicos e demográficos atuais.
No entanto, esse descolamento vem persistindo há anos. Seria imprudente presumir que, uma vez visualizado
aqui, estaríamos diante de uma potencial ou iminente correção. Caso o Dow Jones recuasse para os níveis
sugeridos por meu indicador, sua desvalorização, ajustada pela inflação, poderia ser de até 30%. Contudo,
como já haviamos visto anteriormente (confira
aqui,
aqui e
aqui), a criação de dólares pelo Banco Central americano vem servindo de base, pelo
menos até agora, para o comportamento das ações nos EUA desde 2009.
Assim, alguns dos principais fundamentos de uma economia tão baseada em mercado de consumo (representados
pela
inflação dos preços de bens e serviços, pela taxa de
desemprego e pelo tamanho da
população mais economicamente ativa), embora ainda mostrem sua flagrante correlação com o
comportamento geral das ações americanas, sofreram um afastamento nessa precificação. E graças a um
artifício "criativo" inédito até então! A bolsa americana foi completamente
inflacionada pela absurda
quantidade de
dólares criados do nada!
O gráfico abaixo mostra a expansão da carteira de ativos do FED ("impressão" de dinheiro pelo BC americano)
e sua correlação com o desempenho do S&P500, outro importante índice de ações dos EUA.
Uma ressalva importante é que o
Índice Tocalino, que parece funcionar bem para os EUA, ainda não se
mostrou útil quando aplicado em alguns outros países e mercados. Talvez isso se deva à melhor distribuição
de renda, poder aquisitivo e cultura altamente consumista dos EUA. O país também é bem maior importador do
que exportador.
Em mercados emergentes, como o nosso, as maiores discrepâncias em distribuição de renda e consumo fazem da
população uma variável bem menos útil para esse tipo de avaliação. Mesmo o uso do Produto Interno Bruto
(nominal ou real) no numerador não surtiu o mesmo efeito em estudos envolvendo Reino Unido, Austrália e
Brasil. Para o Brasil, isso não surpreende. Afinal, só entre o governo militar e o fim da hiperinflação em
1994, nós tivemos onze índices diferentes para medir a inflação e várias mudanças na moeda nacional
(confira). Porém, mesmo nos últimos anos, esse indicador não se mostrou eficaz para uma avaliação do
desempenho e nível do Ibovespa. Nem mesmo nos casos do Reino Unido e Austrália foram notadas quaisquer
correlações úteis.
Os dados para o cálculo do Índice Tocalino© referente aos EUA podem ser facilmente obtidos através do
repositório de dados econômicos do Banco Central americano (
Federal Reserve Economic Data - FRED).
Para quem quiser visualizar os valores históricos que utilizei aqui (referentes à população, desemprego e
núcleo da inflação nos EUA), eu disponibilizo minha planilha Excel para o download em:
http://www.deolhonabolsa.com.br/download/Tocalino_Index.xlsx. Para
reproduzir o
Índice Tocalino©, inclua sempre os direitos do autor e idealizador Sebastião Buck
Tocalino.
O
Índice Tocalino abaixo é atualizado automaticamente pelo sistema do Banco Central dos EUA.
Infelizmente, o repositório do FRED só disponibiliza os últimos 10 anos do mercado de ações para uma
comparação.
Baixe a
planilha
Excel
com o Índice Tocalino vs Dow
Jones (ajustado pela inflação).
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Tocalino Index©, ou sua fórmula e conceito lógico para qualquer finalidade e propósito através de qualquer
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