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A Subjetiva Perspectiva do Mercado Norte-Americano
Sebastião Buck Tocalino,
1 de junho de 2015
Resumo:
Mais de meio trilhão de dólares em dívidas de margens na bolsa de NY
parece um exagero de otimismo frente a um mercado que já sobe há mais de seis anos!
Apesar da pior crise desde 1929 e a mais lenta recuperação econômica já
registrada, tanto a alavancagem como as ações seguem batendo novos recordes de alta.
Se o gráfico do mercado de ações norte-americano não se sustenta em qualquer
força dos fundamentos econômicos, sob que perspectiva poderíamos analisá-lo?
Eu costumava desenhar muito quando criança. Enquanto o lápis riscava o papel, os pensamentos corriam soltos
ao som de clássicos do rock em bolachões de vinil. Era uma atividade introspectiva, mas eu me entretinha.
Não sei ao certo que idade eu tinha quando minha mãe me ensinou o truque para obter perspectiva.
Ela mostrou que linhas retas convergindo para um ou mais pontos no horizonte podiam orientar os ângulos e
as formas de modo mais realista. Foi bastante esclarecedor e eficiente! Mas depois de algumas experiências
interessantes, eu voltei a desenhar a olho, de modo mais intuitivo ou infantil. Sem dúvida alguma, eu
estava mais seduzido pela liberdade que eu sentia ao desenhar, do que pela possibilidade de obter uma melhor
representação gráfica do mundo real. Afinal de contas, eu ainda era menino!
Mesmo assim, graças à atenção da minha mãe, aquela noção de perspectiva
ficou gravada em mim para sempre. Um ponto de foco à distância era capaz de evitar distorções
incômodas e gritantes. Embora eu nem sempre marcasse no papel as retas e os pontos no horizonte, eu os imaginava e
seguia mentalmente.
No desenho abaixo, mostrando as ruas de uma cidade, podemos traçar várias retas convergindo para dois
pontos diferentes no horizonte. Quanto mais complexa a imagem, mais importantes serão esses pontos de fuga
para a obtenção de uma boa perspectiva.
Nem mesmo a arte pode se fiar só na intuição. Foco e orientação são importantes.
Obviamente, a perspectiva em Wall Street não é uma exceção, mesmo se metaforicamente
falando. Um ponto de vista pode induzir ou evitar distorções na perspectiva e nos resultados. Mas determinar
o ponto certo de referência para a perspectiva da economia e dos mercados não é tarefa tão simples
quanto a geometria básica ilustrada acima.
Alguns de nós ainda nos indagamos como pode o mercado subir tanto, batendo recordes de valorização, ainda
no rastro da pior crise econômica desde a grande depressão e a mais lenta recuperação já
registrada! A imagem do S&P500, diante do ambiente econômico atual, parece distorcida ou surreal - uma espécie
de ilusão de ótica.
Ou talvez fosse apenas ilusória essa crise? Será que as coisas estão melhores do que parecem? Essas altas
fariam parte de uma tendência mais longa no mercado, com ainda grandes chances de lucros?
Eu acredito que a crise foi e continua sendo muito séria. Enquanto a recuperação tem sido deveras lenta,
não me parece haver ainda qualquer sinal de que ela já estaria garantida. A despeito disso, é impossível
prever até que nível e até quando a alta da bolsa deve avançar. Mas eu já havia opinado que a
alavancagem seguiria crescendo.
Em abril, eu escrevi:
"Aos US$ 476 bilhões de dólares, o total das
dívidas de margens na bolsa de Nova York acaba de bater outro recorde! (...) Eu temo que esse endividamento com margens
por lá cresça ainda à volta dos US$ 550 bilhões."
De fato, está aumentando. Se aquele recorde anterior de US$ 476 bilhões (de março de 2015) não
fosse surpreendente o bastante nesse cenário difícil de crise/recuperação, os investidores
esnobaram a cifra e elevaram ainda mais suas apostas. Segundo os últimos dados da bolsa de Nova York, divulgados
na sexta-feira, a dívida total de margens cresceu 6,5% só no mês de abril! Já somam US$ 507
bilhões de dólares!
Mais de meio trilhão de dólares em dívidas de margens, frente a um mercado que já sobe por mais de
seis anos, parece otimismo demais para qualquer padrão - principalmente diante dos atuais desafios econômicos!
Não parece uma festinha qualquer onde uns poucos ébrios se recusam a deixar o já desolado ambiente; lembra
mais um grupo de fanfarrões arrombando a festa com engradados de bebida aos brados de: "Loucura pouca é bobagem!"
Mas se o passado servir de pista, as reversões de 2000 e 2007 já mostravam que a algazarra ficava mais intensa
durante vários meses antes da festa terminar. Basta observar no gráfico acima os padrões anteriores
nas dívidas com margens (assinalados em vermelho).
Através de uma ótica menos festiva, eu gostaria de aplicar uma perspectiva diferente ao mercado de ações
norte-americano.
Normalmente, o índice S&P500 é visto da seguinte maneira:
Mas se o gráfico acima parece destoar da realidade econômica, podemos encontrar uma referência bem melhor
na carteira de ativos do Banco Central dos EUA. Lembrando que o mesmo imprimiu muitos dólares e injetou-os na economia
através da compra de títulos do Tesouro e de hipotecas.
Antes do colapso do Lehman Brothers e da deflagração da crise financeira internacional, as idas e vindas do mercado
de ações se mostravam bastante independentes da carteira do FED. Tudo isso mudou de 2008 para cá!
É preciso ter isso em mente para conferirmos o desempenho das ações. Usemos então a carteira do FED
como ponto de observação. Lembrando que também poderíamos usar a base monetária dos EUA como
referência, obtendo um resultado muito parecido. Abaixo, eu dividi os valores do índice S&P500 pela carteira do FED:
As extraordinárias políticas monetárias adotadas em diversos países nos últimos anos deveriam
bastar para nos convencer de que a fragilidade da economia mundial ainda é bastante temível. Essa crise nunca foi
só uma crise habitual e passageira. Todas essas medidas paliativas dos bancos centrais não têm poder de cura.
Existe uma diferença entre a sintomatologia e a etiologia de uma doença. A impressão de dinheiro possibilitou
apenas uma regressão dos sintomas financeiros da crise, mas não nos livrou dos seus agentes patogênicos -
nomeadamente: o elevado nível de endividamento na economia e a mudança no perfil demográfico.
Se os bancos centrais têm alguma influência sobre os níveis de crédito na economia (endividamento e
alavancagem), esse poder é certamente muito mais preventivo do que curativo. E contra as poderosas mudanças na
demografia, o FED é obviamente inútil!
Se as lições já fornecidas pelo Japão não foram suficientemente didáticas, talvez
esses experimentos mais recentes nos EUA e na Europa possam finalmente elucidar melhor a teoria econômica para o
benefício das gerações futuras.
Independente de quão avançados os países e suas economias, sempre haverá limites para a
expansão do crédito e para o crescimento da população ativa. Não é preciso
nenhum doutorado em economia para entender isso!
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